Não demorei muito pra
chegar em casa, pois graças a Deus o taxista foi rápido, e estava ocupado
demais pra ver as lágrimas caírem pesadamente sob meu rosto. Eu não queria que
nada disso tivesse acontecendo, e eu ainda teria de ligar para William e
cancelar os encontros quentes como tanto ele queria, eu só sabia que não
poderia fazer isso tudo, não poderia mesmo.
Subi ao meu
apartamento, vendo toda aquela zona. Suspirei alto e tirei o salto, começando a
arrumar toda aquela bagunça, só eu, o barulho das coisas ao tocá-las e meu
turbilhão de pensamentos. Sentia como se gritassem na minha cabeça, mas eu não
conseguia entender o que diziam, e pequenos homenzinhos amarrando cordas no meu
coração e o apertando. Não me sentia bem.
Quando finalmente o
chão já podia ser visto, meu celular tocou, mas não me animei muito em atender,
era Mitchel.
- Fiz um bom trabalho? – Disse ela do outro lado do telefone.
- Han... Eu... Acho
que sim. Foi ótima, meus parabéns.
- Tá tudo bem? Eu to atrapalhando,
sei lá... Você tá com a voz tremida.
- Vem aqui em casa
agora que eu te conto.
- Dez minutos.
Desliguei o telefone e
troquei de roupa, a essa altura eu estava com um pijama branco com desenhos de
flor. Novamente era eu com dez anos, vendo minha mãe apanhar, e vendo as
lágrimas, junto do sangue, escorrerem em seu rosto. E lá estava eu, encolhida
no sofá, totalmente amedrontada. Lembro-me como se fosse ontem.
Flashback ON
O sol começava a se
por, minha mãe penteava meus cabelos enquanto meu irmão mais novo, Josh, fazia
sua lição com facilidade. Ele sempre foi nosso orgulho, era apenas um ano mais
novo que eu, mas sua inteligência era notável. Tudo estava até tranquilo
demais, eu e Josh de pijama de ursinhos, e minha mãe com uma roupa toda velha.
Não éramos ricos, pelo contrário, tínhamos que nos virar pra comer, e ás vezes,
a igreja conseguia nos dar um arroz e mistura.
A calma cessou-se com
um bater na porta, e eu corri para abraçar Josh, eu sabia que era nosso pai,
novamente bêbado. Minha mãe disse pra ficarmos quietos no sofá, e então,
encolhidos, nosso pai entrou em casa, gritando que queria dinheiro, e minha mãe
sempre gritando “As crianças, cuidado!”, eu podia ver a dor transpassar nos
olhos dela, mas não sabia como ajudar. E então meu pai lhe deu o primeiro tapa,
abrindo seu lábio num feixe de sangue. Fechei os olhos e então ele continuou os
tapas, até ela cair no chão, e depois começou a chutá-la.
- VAI PRO QUARTO AGORA
JOSH, VAI! – berrei.
- Mas Kath...
- AGORA!
E então aos prantos,
ele correu para dentro do quarto, ficando de baixo da cama. Com os olhos
vermelhos de raiva, peguei uma faca em cima da mesa e fui pra cima do meu pai,
o empurrando para longe, enquanto minha mãe sangrava no chão. Ele investiu
contra mim e me deu um tapa, e então cortei um pouco de sua mão. Ele me
amaldiçoou várias vezes, dizendo-me horrores, me xingando, e minha raiva só
aumentava. Olhei pra minha mãe, e ela mal abria os olhos e então uma palavra
foi a gota d’água.
- VADIA! – ele gritou
e sem pensar duas vezes, enfiei a faca em seu estômago, tirando e a cravando em
seu coração, fazendo o cair. Tomada pelo ódio, o esfaqueei por completo. Olhei
minhas mãos cheias de sangue e comecei a correr. Fui até o quarto, onde Josh me
olhava com medo e chorava, mas mesmo assim, parecia amargo.
- Nunca vou te perdoar
Kath – disse ele seco.
Flashback OFF
Eu já chorava de
soluçar quando Mitchel entrou em meu apartamento, ela olhou primeiro em volta,
até me notar, totalmente diferente do habitual, e até se assustou um pouco.
Caminhou lentamente e sentou do meu lado, me encarando com uma careta.
- Parece uma cachorra
desmamada, levanta daí, por que tá chorando – ela riu levantando meu rosto, que
deveria estar todo sujo de rímel.
- Se veio aqui pra me
xingar vai embora sua piranha – disse forçando uma risada.
- O que tá acontecendo
com a Katherine puta que eu conheci? – ela levantou, me olhando com nojo. –
Você parece como eles, como todos os otários que matamos. É a assassina mais
profissional que eu conheço, e agora parece mais um... Verme.
- MITCHEL – berrei –
Por favor! Volta a ser aquela minha melhor amiga da adolescência, por favor? Eu
sinto falta! Sinto falta da minha mãe, do Josh...
- Você matou seu pai
aos nove, aos quinze, quando nos conhecemos, você tinha matado mais duas
pessoas. Quer que eu acredite que sente falta de algo?
- Sinto Mitch, sinto
falta de uma família, sinto falta deles.
Após dizer isso, ela
me deu um tapa na cara, mas tão forte, que caí no chão, voltando a chorar.
- Você é uma vadia
assassina e solitária, aceite.
Eu não tive forças pra
voar em seu pescoço, apenas peguei uma almofada e joguei nela, berrando um: SAI
DAQUI! AGORA. Ela deu de ombros e saiu rindo como aquelas garotas do colegial,
que te zoam e te fazem sentir um lixo, e saem sorrindo, como se tivessem feito
a coisa mais acertável do mundo.
Não demorou muito e
desisti de chorar, fui até o banheiro e lavei meu rosto e indo até a cozinha e
tomando um copo d’água. E eu acho que nunca havia dado um suspiro tão profundo
quanto aquele. Minha cabeça doía, e aquela vontade de quando tinha meus 14 anos
voltou a tona, me cortar, mas eu não faria isso, não mesmo.
O telefone tocou antes
que eu pudesse pegar a faca, e eu nunca me senti tão aliviada.
- Alô – disse disfarçando
minha voz de choro.
- Kath? Você tá chorando? Sou eu, o
Justin.
Merda.
- Oi Justin. Ah... É,
você adivinhou. – ri de leve.
- Tá tudo bem? – Nossa como aquela voz preocupada
mexia comigo.
- Vai ficar – garanti –
O que houve?
- Eu acabei de passar um e-mail pra
todos os funcionários, que não trabalharemos por uma semana, em luto. Mas eu
queria saber como você está.
- Eu to bem. E Justin,
será que nesse tempo eu posso viajar? Quero visitar minha família, to com MUITA
saudade. Eu sei que preciso tratar dos seus assuntos mas... Eu realmente
preciso.
- Onde moram?
- Ohio.
- Vou comprar duas passagens,
viajamos amanhã cedo.
- Justin eu não acho
que...
- Ei, eu quero ser o primeiro ao ver
o seu sorriso. Eu vou contigo, e faço questão de pagar tudo. Sem discussão.
"Que todo mundo tenha um amor
quentinho.
Descanso pro complicado do mundo.
Surpresa pra rotina dos dias.
A quem esperar.
De quem sentir saudades.
Um nome entre todos.
O verso mais bonito.
A música que não se esquece.
O par pra toda dança.
Por quem acordar.
Com quem sonhar antes de dormir.
Uma mão pra segurar, um ombro pra deitar, um abraço pra morar.
Um tema pra toda história.
Uma certeza pra toda dúvida.
Janela acesa em noite escura.
Cais onde aportar.
Bonança, depois da tempestade.
Uma vida costurar na sua, com o fio compriiiiido do tempo."
Descanso pro complicado do mundo.
Surpresa pra rotina dos dias.
A quem esperar.
De quem sentir saudades.
Um nome entre todos.
O verso mais bonito.
A música que não se esquece.
O par pra toda dança.
Por quem acordar.
Com quem sonhar antes de dormir.
Uma mão pra segurar, um ombro pra deitar, um abraço pra morar.
Um tema pra toda história.
Uma certeza pra toda dúvida.
Janela acesa em noite escura.
Cais onde aportar.
Bonança, depois da tempestade.
Uma vida costurar na sua, com o fio compriiiiido do tempo."
Briza Mulatinho.
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