quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Capítulo VIII - Lágrimas.


Não demorei muito pra chegar em casa, pois graças a Deus o taxista foi rápido, e estava ocupado demais pra ver as lágrimas caírem pesadamente sob meu rosto. Eu não queria que nada disso tivesse acontecendo, e eu ainda teria de ligar para William e cancelar os encontros quentes como tanto ele queria, eu só sabia que não poderia fazer isso tudo, não poderia mesmo.
Subi ao meu apartamento, vendo toda aquela zona. Suspirei alto e tirei o salto, começando a arrumar toda aquela bagunça, só eu, o barulho das coisas ao tocá-las e meu turbilhão de pensamentos. Sentia como se gritassem na minha cabeça, mas eu não conseguia entender o que diziam, e pequenos homenzinhos amarrando cordas no meu coração e o apertando. Não me sentia bem.
Quando finalmente o chão já podia ser visto, meu celular tocou, mas não me animei muito em atender, era Mitchel.
- Fiz um bom trabalho? – Disse ela do outro lado do telefone.
- Han... Eu... Acho que sim. Foi ótima, meus parabéns.
- Tá tudo bem? Eu to atrapalhando, sei lá... Você tá com a voz tremida.
- Vem aqui em casa agora que eu te conto.
- Dez minutos.
Desliguei o telefone e troquei de roupa, a essa altura eu estava com um pijama branco com desenhos de flor. Novamente era eu com dez anos, vendo minha mãe apanhar, e vendo as lágrimas, junto do sangue, escorrerem em seu rosto. E lá estava eu, encolhida no sofá, totalmente amedrontada. Lembro-me como se fosse ontem.
Flashback ON
O sol começava a se por, minha mãe penteava meus cabelos enquanto meu irmão mais novo, Josh, fazia sua lição com facilidade. Ele sempre foi nosso orgulho, era apenas um ano mais novo que eu, mas sua inteligência era notável. Tudo estava até tranquilo demais, eu e Josh de pijama de ursinhos, e minha mãe com uma roupa toda velha. Não éramos ricos, pelo contrário, tínhamos que nos virar pra comer, e ás vezes, a igreja conseguia nos dar um arroz e mistura.
A calma cessou-se com um bater na porta, e eu corri para abraçar Josh, eu sabia que era nosso pai, novamente bêbado. Minha mãe disse pra ficarmos quietos no sofá, e então, encolhidos, nosso pai entrou em casa, gritando que queria dinheiro, e minha mãe sempre gritando “As crianças, cuidado!”, eu podia ver a dor transpassar nos olhos dela, mas não sabia como ajudar. E então meu pai lhe deu o primeiro tapa, abrindo seu lábio num feixe de sangue. Fechei os olhos e então ele continuou os tapas, até ela cair no chão, e depois começou a chutá-la.
- VAI PRO QUARTO AGORA JOSH, VAI! – berrei.
- Mas Kath...
- AGORA!
E então aos prantos, ele correu para dentro do quarto, ficando de baixo da cama. Com os olhos vermelhos de raiva, peguei uma faca em cima da mesa e fui pra cima do meu pai, o empurrando para longe, enquanto minha mãe sangrava no chão. Ele investiu contra mim e me deu um tapa, e então cortei um pouco de sua mão. Ele me amaldiçoou várias vezes, dizendo-me horrores, me xingando, e minha raiva só aumentava. Olhei pra minha mãe, e ela mal abria os olhos e então uma palavra foi a gota d’água.
- VADIA! – ele gritou e sem pensar duas vezes, enfiei a faca em seu estômago, tirando e a cravando em seu coração, fazendo o cair. Tomada pelo ódio, o esfaqueei por completo. Olhei minhas mãos cheias de sangue e comecei a correr. Fui até o quarto, onde Josh me olhava com medo e chorava, mas mesmo assim, parecia amargo.
- Nunca vou te perdoar Kath – disse ele seco.
Flashback OFF
Eu já chorava de soluçar quando Mitchel entrou em meu apartamento, ela olhou primeiro em volta, até me notar, totalmente diferente do habitual, e até se assustou um pouco. Caminhou lentamente e sentou do meu lado, me encarando com uma careta.
- Parece uma cachorra desmamada, levanta daí, por que tá chorando – ela riu levantando meu rosto, que deveria estar todo sujo de rímel.
- Se veio aqui pra me xingar vai embora sua piranha – disse forçando uma risada.
- O que tá acontecendo com a Katherine puta que eu conheci? – ela levantou, me olhando com nojo. – Você parece como eles, como todos os otários que matamos. É a assassina mais profissional que eu conheço, e agora parece mais um... Verme.
- MITCHEL – berrei – Por favor! Volta a ser aquela minha melhor amiga da adolescência, por favor? Eu sinto falta! Sinto falta da minha mãe, do Josh...
- Você matou seu pai aos nove, aos quinze, quando nos conhecemos, você tinha matado mais duas pessoas. Quer que eu acredite que sente falta de algo?
- Sinto Mitch, sinto falta de uma família, sinto falta deles.
Após dizer isso, ela me deu um tapa na cara, mas tão forte, que caí no chão, voltando a chorar.
- Você é uma vadia assassina e solitária, aceite.
Eu não tive forças pra voar em seu pescoço, apenas peguei uma almofada e joguei nela, berrando um: SAI DAQUI! AGORA. Ela deu de ombros e saiu rindo como aquelas garotas do colegial, que te zoam e te fazem sentir um lixo, e saem sorrindo, como se tivessem feito a coisa mais acertável do mundo.
Não demorou muito e desisti de chorar, fui até o banheiro e lavei meu rosto e indo até a cozinha e tomando um copo d’água. E eu acho que nunca havia dado um suspiro tão profundo quanto aquele. Minha cabeça doía, e aquela vontade de quando tinha meus 14 anos voltou a tona, me cortar, mas eu não faria isso, não mesmo.
O telefone tocou antes que eu pudesse pegar a faca, e eu nunca me senti tão aliviada.
- Alô – disse disfarçando minha voz de choro.
- Kath? Você tá chorando? Sou eu, o Justin.
Merda.
- Oi Justin. Ah... É, você adivinhou. – ri de leve.
- Tá tudo bem? – Nossa como aquela voz preocupada mexia comigo.
- Vai ficar – garanti – O que houve?
- Eu acabei de passar um e-mail pra todos os funcionários, que não trabalharemos por uma semana, em luto. Mas eu queria saber como você está.
- Eu to bem. E Justin, será que nesse tempo eu posso viajar? Quero visitar minha família, to com MUITA saudade. Eu sei que preciso tratar dos seus assuntos mas... Eu realmente preciso.
- Onde moram?
- Ohio.
- Vou comprar duas passagens, viajamos amanhã cedo.
- Justin eu não acho que...
- Ei, eu quero ser o primeiro ao ver o seu sorriso. Eu vou contigo, e faço questão de pagar tudo. Sem discussão.
"Que todo mundo tenha um amor quentinho.
Descanso pro complicado do mundo.
Surpresa pra rotina dos dias.
A quem esperar.
De quem sentir saudades.
Um nome entre todos.
O verso mais bonito.
A música que não se esquece.
O par pra toda dança.
Por quem acordar.
Com quem sonhar antes de dormir.
Uma mão pra segurar, um ombro pra deitar, um abraço pra morar.
Um tema pra toda história.
Uma certeza pra toda dúvida.
Janela acesa em noite escura.
Cais onde aportar.
Bonança, depois da tempestade.
Uma vida costurar na sua, com o fio compriiiiido do tempo."
Briza Mulatinho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário